sábado, 5 de fevereiro de 2011

Espiritismo galopante

Desde o dia 02 de Fevereiro de 2011, está disponível, no site da Folha.com, uma crítica dos filmes "Além da Vida", de Clint Eastwood, e "Biutiful", de González Iñárritu. Concordando-se ou discordando-se de seu conteúdo, ainda assim considero a crítica proveitosa.

 

Espiritismo galopante


Talvez por excesso de otimismo, tendo a encarar a proliferação de filmes, livros e minisséries de TV sobre espiritismo e Chico Xavier como frutos maduros do oportunismo comercial. A credulidade do homem comum, afinal, precisa ser reavivada de tempos em tempos pela indústria cultural com novas doses de vampiros e zumbis, premonições e psicografias.

Surge agora a dúvida: quando produtores culturais mais "sérios" e reconhecidos também sucumbem às forças do além, haverá aí um fenômeno mais profundo da época, digno da atenção de ateus, céticos e admiradores das ciências naturais? Uma pergunta para Clint Eastwood e Alejandro González Iñárritu.

Aproveitando um raro fim de semana em São Paulo, no meu programa estava uma dose dupla de cinema: "Além da Vida", de Eastwood, e "Biutiful", de Iñárritu. Resultou numa dose dupla de espiritismo. No primeiro caso, pelo menos, era óbvia --a começar pelo título-- a vinculação com a morte.

Eastwood dispensa apresentações e elogios. É daquelas coisas da vida que ficam melhores quanto mais envelhecem. Seu filme anterior, "Gran Torino", é cativante. Mas até os melhores vinhos podem estragar-se com o correr do tempo, e uma ou outra garrafa termina com gosto de rolha ("bouchonné").

O sabor de rolha, revela investigação química, pode originar-se tanto da própria quanto dos tonéis em que o vinho envelhece. Nem sempre é possível separar uma coisa da outra. No caso de "Além da Vida", Eastwood assumiu o risco de avinagrar o filme com dois supostos fenômenos paranormais de uma vez: experiências de quase morte e comunicações com os mortos.

O primeiro garante o entrecho mais interessante do filme: jornalista francesa tem sua vida virada de ponta-cabeça depois de quase empacotar num tsunami e ter visões intrigantes --luzes intensas, experiência extracorpórea etc. --nos instantes em que se equilibrava entre viver e morrer. Nada implausível. Nada que contrarie o bom senso e não seja em princípio investigável pela neurociência.

Já há até livro sobre o assunto: "The Spiritual Doorway in the Brain" (A Porta Espiritual no Cérebro), do neurologista Kevin Nelson, de quem a Folha publicou uma entrevista recente. Ele entrevistou 55 pessoas que passaram por essas vivências limítrofes e alega ter descoberto nelas uma fronteira mais permeável entre sonho e vigília.

Eis como Nelson começa a explicar, neurologicamente, a experiência de quase morte: "Se o fluxo sanguíneo está diminuindo na região da cabeça, diminui também nos olhos, deixando a visão borrada nas bordas e criando a impressão de que há um túnel com luzes. Já quanto às experiências extracorpóreas, sabe-se que ao 'desligar' a região temporoparietal do cérebro, ligada à percepção espacial, podemos tirar a pessoa do seu corpo. Essa é a mesma área do cérebro que é 'desligada' durante o REM [fase do sono em que ocorrem os sonhos]."

O problema com "Além da Vida" está no personagem de George Lonegan, vivido por Matt Damon. Trata-se de um vidente recalcitrante, que tenta deixar de exercer o dom de passar a falar de imediato com o morto que o cliente tem em vista, ao tocar suas mãos. Eis aí um fenômeno inabordável pela pesquisa científica. Nem mesmo para documentação (quanto mais explicação), porque ocorre na esfera indevassável da experiência mental subjetiva.

Uma coisa é enxergar luzes, sombras, túneis, silhuetas ou faces --e atribuí-las a vivos e mortos, presentes ou futuros; as ocorrências visuais podem ao menos ser investigadas por seus correlatos físico-químicos no tecido cerebral. Outra, muito diversa, é "falar" com determinada pessoa morta e receber dela informações precisas, opiniões, juízos de valor, admoestações. Não há como registrá-los objetivamente, é preciso confiar em testemunhos. Só candidatos a um prêmio IgNobel se arriscariam.

Apesar disso, a fita de Eastwood põe um arremedo de explicação científica na boca de Lonegan, uma baboseira sobre febre na infância seguida de cirurgia da qual alguma ligação cerebral resultou embaralhada na cabeça do vidente. Um dos pontos mais baixos nas carreiras de Matt Damon e Clint Eastwood.

Também parece supérflua a atribuição de similar aptidão comunicativa além-túmulo a Uxbal, personagem encarnado por Javier Bardem em "Biutiful", de González Iñárritu. Ajudou a compor uma das cenas mais belas do filme, a do velório de três meninos, mas não chega a justificar a normalização cinematográfica dessa crendice sem pé nem cabeça.

Para dar vazão a esse lixo ocultista, bastam a TV e o rentável nicho de mercado em que pululam pescoços pálidos e sublimação de atos sexuais em mordidas vampirescas. Há gosto para tudo. De Eastwood e Iñárritu se espera biscoito mais refinado, livre do espessante espírita.

MARCELO LEITE é repórter especial da Folha, autor dos livros "Folha Explica Darwin" (Publifolha) e "Ciência - Use com Cuidado" (Unicamp) e responsável pelo blog Ciência em Dia (Ciência em dia). Escreve às quartas-feiras neste espaço.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

AS INCESTUOSAS RELAÇÕES ENTRE MÍDIA E PODER


Compartilho com vocês um texto do sociólogo Isidoro Guedes, que estabelece uma crítica muito interessante sobre as relações entre a mídia e o poder. Antes de ler o texto, proponho que tiremos as travas de nossos olhos, pois se nem nós, enquanto seres humanos isolados, somos imparciais, o que dizer de grandes grupos de comunicação, formados e dominados por famílias poderosas e seus aliados. Naturalmente que nada tem de errado em ter preferências por determinadas posturas, candidatos, ideologias. Espera-se, apenas, de um grupo de comunicação, honestidade suficiente pra assumir quais são suas opções sem cair na hipocrisia de uma suposta "neutralidade".

Segue o texto:

AS INCESTUOSAS RELAÇÕES ENTRE MÍDIA E PODER

Mais uma vez discorremos sobre comunicação. Agora para tratar das relações entre mídia e poder, que no Brasil são pra lá de estreitas.

Antes, gostaria de dizer que nunca acreditei em neutralidade ou imparcialidade jornalística, sobretudo na política. E por um motivo muito simples: política é algo que se faz de razão, mas também de paixão, o que não permite que sejamos isentos em qualquer análise em que nos metamos a fazer.

Não acreditar em imparcialidade não significa que não possa ser feito um jornalismo sério e decente.

Dá pra fazer isso mesmo sem a tal “isenção”? Dá sim. Basta agir com ética e honestidade. O que pode ser feito observando-se princípios de civilidade e de respeito ao contraditório ou pluralidade de opiniões.

Afinal, quando exponho um ponto de vista não posso nem devo querer que ele seja visto como verdade absoluta – não há verdades absolutas: as verdades são sempre relativas. Mesmo que defenda minhas idéias com clareza, raciocínio lógico e com capacidade de argumentação suficiente para não resvalar nos sofismas e deslealdades.

E se, por um lado, não devo impor meu ponto de vista ou visão de mundo a ninguém, por outro tenho que estar aberto para, concordando ou não, dialogar com a visão de mundo dos outros. Tenho que estar preparado para a crítica, para o embate dialético, para influenciar e ser influenciado por novos ventos, sem abrir mão de meus princípios éticos, salvo se esses vierem a se chocar com o direito a vida e com os direitos humanos, que são inegociáveis e inalienáveis – e salvo se eu vier a descobrir ou perceber que minhas crenças e valores se prestam a oprimir ou degradar esse ser humano.

Esse papo de “cerca Lourenço” na verdade é para dizer que em comunicação honestidade é fundamental. Todavia honestidade é tudo o que a grande mídia não tem tido ao longo dos últimos anos.

Na recente campanha eleitoral de 2010, que culminou na eleição de Dilma Rousseff (PT) para a Presidência da República, pudemos observar uma série de deslealdades e leviandades por parte dessa grande mídia.Não que seja um mal em si que este ou aquele órgão de imprensa tenha preferência por um candidato ou uma corrente política ou ideológica em especial. Isto ocorre no mundo todo e faz parte do jogo democrático. O que não pode é o meio de comunicação querer passar uma imagem de neutralidade e imparcialidade, mas agir de forma indecente e desleal.

De uma maneira geral a maioria esmagadora dos grandes veículos de comunicação apoiou a candidatura de José Serra (PSDB). Mas apenas o jornal O Estado de São Paulo teve a decência de assumir isso publicamente em um de seus editoriais dominicais.

Os demais, digamos assim, preferiram ficar na moita, fazendo jogo de gato e rato. No segundo turno até pensaram em esboçar com mais clareza sua opção. Mas no frigir dos ovos não tiveram coragem – ou decência – para tanto.

Essa opção da grande mídia tem uma fundamentação obviamente ideológica e mercadológica. Ideológica porque a maioria dos veículos da grande mídia se acostumou a servir como uma espécie de linha auxiliar do conservadorismo. E mercadológica, porque por extensão da opção ideológica, sempre recebeu as benesses do poder, onde as forças conservadoras e de direita sempre foram hegemônicas. Ou seja: poder econômico, poder político e mídia, no Brasil, sempre estiveram umbilicalmente ligados.

Mesmo que Lula da Silva não tenha promovido nenhuma revolução social nem enfrentado frontalmente a grande mídia regulamentando a Constituição nos pontos em que ela exige democratização dos meios de comunicação, ele virou o saco de pancadas da grande imprensa em seus oito anos de mandato, afinal sempre incomodou aos políticos conservadores e a grande imprensa o fato de um ex-operário e retirante nordestino ter vencido todas as adversidades e preconceitos e chegado a Presidência da República.

E se Lula conseguiu deixar o governo como o presidente mais popular de nossa História republicana, isto tem mais a ver com o seu carisma e sua capacidade de se comunicar de maneira fácil e direta com as massas, do que com a boa vontade dos grandes grupos de comunicação, que nunca houve.

Não obstante, se os meios de comunicação são uma concessão pública, nada mais justo que sejam democratizados como prevê a Constituição cidadã de 1988. Todavia o lobby da grande imprensa costuma distorcer os fatos e satanizar as pessoas que defendem isso. Em geral dizem que essa medida representa uma “ameaça a liberdade de imprensa e de expressão” – o que não passa de chantagem barata e inverídica. Mais: acusam os que a defendem de flertarem com “ditaduras de esquerda” - ao estilo Chávez (Venezuela) ou Fidel (Cuba), abrindo caminho para o autoritarismo no país.

Nada a ver! O que se quer é que é justamente o oposto. Que a informação deixe de ficar na mão de quatro ou cinco famílias, que controlam poderosos grupos de comunicação - se arvorando no direito de “formar” (ou seria deformar?) a opinião dos brasileiros. O que se quer é que a comunicação se democratize e a informação seja livre de amarras. Isso, obviamente, contraria interesses.

Por isso enganam-se os que acreditam que a guerra foi vencida e que Davi venceu Golias. O carisma e a popularidade deLuladerrotaram a grande mídia na batalha em uma eleição. Mas essa guerra ainda está longe de terminar. E ademocratização da informação ainda terá que enfrentar um longo e tortuoso caminho, cheio de obstáculos e armadilhas. Essa democratização ainda precisa ser consolidada. E para tanto outras titânicas batalhas ainda se sucederão.

Isidoro Guedes é sociólogo graduado pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, educador (com especialização pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE e extensão pela Universidade de Brasília - UnB) e ex-secretário de Saúde do município de Goiana – PE.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

SP: delegado acusado de agredir cadeirante é afastado

Infelizmente, essa notícia mostra mais um mau exemplo dos representantes do Poder Público no Brasil.

Saiu no Portal Terra:

SP: delegado acusado de agredir cadeirante é afastado
20 de janeiro de 2011 19h31 atualizado às 19h47

O titular do 6º Distrito de São José dos Campos, delegado Damásio Marino, foi afastado nesta quinta-feira das funções pelo secretário de Segurança do Estado de São Paulo, Antonio Ferreira Pinto. Damásio é acusado de agredir um advogado cadeirante durante uma briga por uma vaga de estacionamento reservada para portadores de deficiência física em São José dos Campos. A agressão teria ocorrido na tarde da última segunda-feira, em frente ao fórum do município.

Por determinação da secretaria, a Corregedoria da Polícia Civil instaurou um procedimento administrativo para apurar a responsabilidade funcional do delegado na agressão. Desde a última terça-feira, a corregedoria já havia instaurado também um inquérito policial para apurar a denúncia de crime de lesão corporal dolosa.

Conforme a denúncia, o delegado retornava ao seu veículo particular quando foi abordado pelo advogado Anatole Magalhães Macedo Morandini, que reclamou do uso da vaga especial. "E aí iniciou-se uma discussão, que veio a culminar com uma agressão por parte do senhor Damasio no cadeirante", afirmou o delegado Antônio Álvaro Sá de Toledo, delegado da 1º Corregedoria Auxiliar da Polícia Civil, responsável pelas regiões do Vale do Paraíba e do Litoral Norte de São Paulo.

"O cadeirante alega que ele (o delegado) saiu do veículo empunhando uma pistola e teria agredido ele a golpes de coronhadas, no olho e na boca. Foi requisitado exame de corpo de delito, ele foi submetido, então o laudo vai esclarecer definitivamente", afirmou Álvaro.

"A Corregedoria recebeu a ocorrência e imediatamente foi determinada instauração de processo administrativo disciplinar e inquérito policial", disse o delegado, que espera ouvir as duas partes ainda nesta quinta-feira. "As oitivas nós devemos esgotar tudo até amanhã, no mais tardar, e vamos ficar apenas no aguardo do laudo do IML (Instituto Médico Legal)", afirmou Antônio Álvaro.

O prazo para conclusão do inquérito é de 30 dias. Caso fique comprovado o abuso do delegado, ele estará sujeito a sanções e pode ser expulso da Polícia Civil. A reportagem não conseguiu localizar a defesa do delegado para comentar as acusações. Segundo o Jornal Hoje, ele negou ter sacado a pistola e disse que reagiu a uma cusparada.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Enquanto isso, na Zona Leste...



Enquanto quase toda a imprensa (Globo) só tem olhos para o Rio de Janeiro, o descaso do Poder Público afeta também as zonas mais pobres de São Paulo.

Saiu no Folha.com:

18/01/2011 - 22h31

Moradores da zona leste de SP sofrem há 8 dias com enchente

DE SÃO PAULO

O bairro Vila Itaim, na zona leste de São Paulo, está alagado deste a última segunda-feira (10). Alguns moradores foram transferidos para abrigos e outros, com medo de saques, continuam em suas casas.


A Subprefeitura de São Miguel Paulista informou que 725 famílias foram cadastradas para receber cestas básicas, colchões e cobertores.

O vídeo com a reportagem pode ser visto aqui ou aqui.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Passione - Um final tolo para uma novela cheia de tolices.

Foi ao ar, nessa sexta-feira, dia 14/01/2011, o último capítulo da trama Passione, de autoria de Sílvio de Abreu. Trata-se, em grande parte, de repetição da última novela de sua autoria, Belíssima.

Era de se supor que, sendo do mesmo autor, haveria alguns paralelos. Entretanto, percebe-se claramente a falta de inovação - duas mortes forjadas (uma das quais, aliás, quem morreu foi uma mulher inocente em um carro que cai do barranco, em ambas as novelas), o fato da vilã "se dar bem" ao final da trama, o fato da identidade da assassina não ser, em nada, surpreendente, enfim. Pode-se notar que a criatividade do autor, Sílvio de Abreu, tem se esgotado com suas últimas tramas.

Para além disso, foi decepcionante ver a baixeza moral de sua novela. Mesmo se deixássemos de levar em consideração o núcleo cômico (aonde temos uma senhora idosa que comete adultério do início ao fim da novela e aonde podemos encontrar um personagem carismático bígamo), vemos também algumas coisas moralmente questionáveis:

- A matriarca dos Gouveia casou grávida de outro homem;

- Todos os seus filhos foram traídos durante a trama;

- Um dos seus filhos constantemente espancava esposa e filhos;

- Sua neta tem um marido bígamo que também é casado com a tia da mesma (ele é casado com tia e sobrinha.

- A assassina e vilã se dá (muito) bem no final.

E por aí vai...

A moral da história é que não existe moral. Terminou apenas mais uma novela sem nada de original, e recheada de baixarias inomináveis.